A CABANA E
O SUPER-HERÓI
Antonio Carlos Pereira Gomes
Olá meu
Pai, tudo bem?
Faz um
bom tempo que não nos falamos não é verdade?
Hoje
resolvi separar alguns minutos do meu dia para conversarmos.
Sabe
Pai, essa semana me peguei lembrando de você, de nós, da família, dos momentos
e cheguei à conclusões que precisa saber.
Fui um garoto privilegiado vivendo inúmeros
momentos ao seu lado. Empinamos pipa juntos, jogamos bola na rua, soltamos
bolhas de sabão pela casa, fizemos guerra de travesseiros, brincamos de fazer
cabana com os cobertores e embora o desespero da mamãe com a bagunça, aquilo
era o meu verdadeiro paraíso.
Foi
você quem me ensinou andar de bicicleta, aquele cai e levanta no jardim da
praça, me sentia protegido sabendo que você estava ali correndo ao meu lado,
pronto para me agarrar quando me desequilibrava. Aprenderia a perseverança até
conseguir pedalar sozinho com as mãos trêmulas no guidão da velha magrela. Mãos
na direção, gritava você quando eu disparava.
Sim tudo
aquilo era meu paraíso, minha vida, meu mundo particular. Me sentia o “Pequeno
Príncipe” de Antoinne Exupery, porém diferente. Não tinha uma flor para regar,
não possuía a rosa única. Eu era o protegido, o único SER a ser regado,
cuidado, mimado e me sentia soberano na felicidade concedida por Deus.
Pai você
sempre foi meu Super-herói. Forte,
corajoso, inteligente, protetor, benevolente, justo e perfeito. Nunca te vi
chorar, esmorecer, desistir. Era imbatível. Afinal os heróis não sucumbem. Levantam
das aparentes batalhas perdidas e salvam o mundo. São eternos.
Ainda
me lembro, na mesa do almoço, você postado na cabeceira. Era a imagem do meu
Super-herói sentado no trono do saber.
Contava as suas histórias, as escolhas da vida, a conduta de um bom
homem, os princípios a serem seguidos e os bons costumes. Parecia um Rei
Salomão, aconselhando, revelando os
segredos da vida e decifrando os caminhos certos nas escritas turvas do manual
de instrução do mundo.
Os meus
problemas eram muitos. Parar de brincar para tomar banho, comer verdura, ir à
missa de domingo, estudar para a prova, e tantos outros que já me esqueci.
Também
tinham as minhas falhas. Cara emburrada por não poder comprar uma bola igual a
do meu amigo, sujar a única camisa branca da escola brincando de pique-esconde,
esbravejar por ter que ir dormir no meio de um filme legal e de alguns
palavrõezinhos. Minha culpa minha
máxima culpa!
No meu
paraíso ganhava muitos presentes. Eles foram crescendo a medida que eu crescia.
O Triciclo, a bicicleta, o velho fusca da garagem e por ai vai.
Retribui
os presentes também meu pai. Não teve uma só vez que não te presenteei. Até
hoje não sei por qual razão te dava sempre uma caixa de lenços. Lenços
“Presidente”. Talvez porque fosse o chefão da casa, o líder, o meu Super herói.
Essa
visão foi mudando com o tempo, afinal eu fiquei adolescente.
Comecei
a achar que você ficou antiquado, suas ideias eram ultrapassadas, tudo que me
dizia só faria sentido no seu tempo e que eu deixaria de ser aprendiz e poderia
seguir firmes meus passos.
O mundo
era outro, eu estava esfuziante e como já não te olhava mais de baixo para
cima, era como se eu estivesse superando meu Super Herói.
Sim meu
Pai, eu me sentia forte, valente, onipotente.
Fiz o
mundo do meu jeito, da forma que eu queria e cantando como se fosse o Sinatra, I did My Way, e eu realmente fiz da minha
maneira.
Os seus
conselhos eu já tinha olvidado há tempos. Afinal eu era dono da verdade, brincando com o globo do
mundo imitando Chaplin em o Grande Ditador.
Mas
todo dia o sol é rei ao meio-dia e a lua rainha à meia-noite. Fui percebendo
que meu paraíso havia desmoronado em curto tempo.
Mas a
culpa é sua Pai, toda sua!
Por que
não me avisastes? Por que não revelou o segredo amargo e duro da vida.
Tiraste
as rodinhas da bicicleta e me soltou na ladeira do mundo. Cadê você meu Pai?.
O
caminho a seguir era você quem me mostrava. Eu tinha você em todo momento, se
brigavam comigo eram no afago dos teus braços que me acalmava. Hoje não é mais
minha mãe, coleguinhas, ou professoras que gritam comigo.
Gritam
comigo no trânsito, no estádio de futebol, na fila do mercado, no trabalho, o patrão,
o cliente, o manobrista, a esposa, até meus filhos. Tenho vontade de sair
correndo mas não posso.
Quantas
dúvidas, problemas, incertezas e você não falava mais nada. Estava só, tendo
que conduzir a vida, minha família, meu mundo despedaçado, tudo sem nenhuma
orientação da sua parte. Me abandonastes meu Pai?
Agora
eu estava sentado no topo da mesa, mirado pelos olhares deslumbrados dos filhos e da esposa à espera das minhas
histórias e dos meus conselhos. E agora? O que fazer? Não sou um Super-Herói
como você meu Pai. Sou uma fraude de mim mesmo.
Gostaria
que minha falha hoje, fosse sujar a camisa do terno com molho do macarrão e
sair correndo de castigo para o quarto. Mas eu cresci, casei, tenho filhos e
quando isso acontece, minha esposa contemporiza e diz para não se preocupar que
colocará para lavar.
Torcia
para que gritassem comigo, todos ao mesmo tempo de forma uníssona para que eu pudesse sair em disparada da mesa
e talvez encontrar os seus braços Pai.
Certo
dia fui pego de surpresa quando meu filho me fez a mesma pergunta que te fiz
quando era criança.
Pai,
como era no seu tempo?
Os
segundos de silêncio que se fizeram presente a espera da resposta ideal,
pareceram horas. Por onde começar?
Resolvi
ser mais prático e falamos de você meu Pai. Contei a eles nossas aventuras, nossos
momentos e ao contar tantas histórias vividas
senti que o fardo da cruz nas costas diminuía.
Falei
que a vida nos pregará algumas peças. Teremos que ter perseverança. Se cai e levanta
sempre, como andar de bicicleta e o importante é estar em movimento. Segura firme na direção. Sejamos donos dos
nossos sonhos.
Percebi
que já sabiam isso, pois ensinei aos meus filhos da mesma forma que me
ensinaste a andar na velha magrela, embora as bicicletas de hoje sejam bem mais
equipadas.
Meus
braços eram poucos para afagar tantos. A cada lição sobre a vida, me recordava
de você meu pai. Como salvar o mundo, como amenizar o sofrimento daqueles que
me são caros.
Das
nossas coisas vividas juntos e eu me pegava fazendo as mesmas. Cabanas de
cobertor, bolhas de sabão pelo apartamento e jogando bola na sala.
Sim
Pai, meu paraíso estava de volta. Queria
tanto que você pudesse brincar conosco e ver como seguro firme a direção do meu
mundo.
Sabe
Pai, hoje tudo é eletrônico, passam horas entretidos em jogos que pouco
compreendo, mas garanto que quando chegava do trabalho e pegava meus filhos, os
levantava para o alto, fazendo cocegas
nas barriguinhas deles, eram gargalhadas sem igual que me rejuvelhecia.
O tempo
passa mundo rápido. Você sempre falava isso, mas acredite agora no meu tempo
passa mais ligeiro.
Me olho
no espelho e estou bem mais parecido com você Pai. Também decifro o manual do
mundo sabia? Embora o tempo que se passou, os conselhos são os mesmos que me
passastes. Honestidade, Igualdade, bondade, liberdade, bons costumes e
fraternidade.
Sei que
a vida não é fácil, não foi para você Pai, não é para mim e não será para eles.
Sou o Super-herói deles e quanta responsabilidade.
As
vezes quero chorar e daria tudo para ter um daqueles dos seus lenços
“Presidente”. Ter filhos é uma forma que
o Grande Arquiteto nos dá de pedirmos desculpas aos pais.
Hoje
entendo tudo que me queria mostrar. Sim Pai, foi muito bom, tirar as rodinhas
da minha bike, descer a ladeira do mundo e por vezes te confesso tirei as mãos
do guidão e rapidamente segurei firme lembrando-me de você. E confesso que te
vi chorando várias vezes por debaixo das lentes grossas dos óculos de aro
preto.
Hoje entendo
o que é deixar o ultimo pedaço na espera que algum filho ainda queira comer e a
fome para nós Super-heróis sempre passará.
Aprendi
que começamos a envelhecer quando nossos sonhos diminuem. Percebi que os Pais
são como velas e suas chamas vão diminuindo, se apagando até não haver mais
fogo. Um dia todos perceberão que os cabelos ficaram ralos e os amigos ficaram
raros e a família ainda será o porto seguro de todos nós.
Bom
Pai, tenho bastante para te contar, porém está ficando tarde e um senhor na
minha idade não pode ficar nesse vento frio que aqui faz. Nossa falei igual à
você!
Vou
deixar essa rosa aqui hoje no vaso entre a sua foto e a da mamãe e qualquer dia
desses eu volto para falarmos mais ou quem sabe para ocupar meu lugar ao lado
de vocês.
Enquanto
isso não acontece eu me vou. Me aposentei e tenho três netinhos sabia? Tenho
compromisso. Agora sou o Pai do Super-herói deles e hoje é o dia que fazemos cabanas
com os cobertores, bolhas de sabão na sala e não perco por nada.
Com as
saudades de sempre, obrigado Pai, meu Super-herói.
A CABANA E O SÚPER HEROI
de Antonio Carlos Pereira Gomes
12.08.2016